quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A minha bola Carreiro

*
Por Germano Xavier

Eu tinha pouco mais de dez anos quando comprei a minha primeira bola de verdade. Colorida em vários tons, uma pequena couraça, bola para uma vida inteira – imaginava eu. De uma vida toda, não sei bem se conseguiria ser, mas o certo é que ela representou muito para mim, tanto que nunca a esqueci. Foi ela a bola mais importante de toda a minha infância, ao menos. A bola que carregou consigo, no ar embutido em sua diminuta câmara, todo o meu desejo de menino. Da fabricante Carreiro, comprada no antigo armazém do senhor Zé Lebeta com o dinheiro que a minha mãe me dava depois de ajudá-la a carregar o bocapiu nas feiras livres dos sábados iraquarenses, a esfera lúdica de meus sonhos havia sido feita de magia. 

Antes da minha primeira bola de couro, só conseguia ter “pingos de leite” ou “dentes de leite”, como eram chamadas as bolas feitas com borrachas ou plásticos mixurucas e que eram vendidas a preços irrisórios nos mercadinhos da minha cidade natal. Estas furavam rapidamente, ao menor toque com a superfície pontuda de um qualquer malvado espinho-matador, desperdiçando na gente toda uma carga de energia brincante dentro do coração de todos que gozavam de seus respectivos quiques. Eram bolas, mas não era aquela bola Carreiro colorida que havia conseguido comprar com meu próprio suor de menino ajudador de mãe.

Todavia, tal qual a pior das maldições, tive de presenciar a falência de minha bola couraça logo no primeiro dia de uso, no meio de uma tarde clara e de céu azul. Não sei o porquê de tamanho desastre, mas ela murchou depois de alguns contáveis chutes solitários que dei contra a parede lisa da garagem, como a testá-la antes dos possíveis jogos oficiais. Inexplicável a sensação. Eu sentia dor, sentia tristeza. Não pude fazer nada, a não ser tomá-la contra o peito e abraçar a sua matéria murcha, agora já sem vida. Minha primeira bola de verdade significou o meu inaugural contato com a morte.

Tantas situações quistas, desejadas em sua companhia, mas nada pode acontecer. O desfecho não havia sido o pensado. Um fim precoce para uma lição que duraria. A partir de então, a dor tornara-se mensurável dentro de mim, o tempo ganharia tom de instante. Fui-me recompondo paulatinamente por conta do exercício vivo da memória que tinha dela, bonita e cheia de cores, antes daquela total desordem de ânimo que me afetara. Eu precisei me reerguer. Eu precisei aprender a ser forte para aguentar – e aguentei, sendo. Olhando-a, com meus olhos de lágrimas presas, dei conta de que a perda também é repleta de beleza. Uma sublime, por vezes trágica, revelação.


* Imagem: Google.

Nenhum comentário: